E o que vem a ser a segunda moral brasileira - a moral do oportunismo? O sistema de normas morais que corresponde ao imaginário oficioso brasileiro e que configura o comportamento dito esperto:
1. Consiste em que o agente individual se saia bem, ainda que em detrimento dos interesses dos outros.
2. Floresce na sombra da malícia.
3. Nutre-se de franca hipocrisia, pois, em público, todos simulam aderir à moral da integridade.
4. Pratica-se de modo informal, graças à complacência, ao respaldo ou à cumplicidade dos mais íntimos - sócios, parentes, compadres, amigos, colegas, vizinhos, comparsas. Corresponde ao triunfo da conveniência sobre os princípios ou sobre a responsabilidade social.
Suas formas de agir transgridem as normas morais oficiais e são consideradas imorais do ponto de vista da moral oficial. Mas nem por isso perturbam as consciências daqueles que as adotam. Ao contrário:
1. Desnudam uma face interesseira no burburinho das patotas, das turmas, das igrejinhas, dos clãs familiares.
2. Expõem a compulsão em “levar vantagem em tudo” como uma espécie de vocação.
3. Traduzem uma visão trapaceira e parasitária do mundo que, ao fim e ao cabo, manipula os outros em proveito próprio.
4. Expressam de algum modo a clássica ruptura, tão amplamente detectada em estudos antropológicos, entre o espaço público - em que supostamente primam normas universais e com as quais se mantêm posturas complacentes (a rua) - e o espaço privado - em que reinam a fidelidade e as relações pessoais (a casa).
5. Revivem a velha dicotomia entre conquistadores nômades empenhados em saquear e produtores sedentários empenhados em labutar.
A moral do oportunismo repousa no mais estreito interesse pessoal, num egoísmo mesquinho que, na ânsia de obter vantagens e saciar caprichos, despe-se de quaisquer escrúpulos. Os agentes:
1. Fazem o que lhes traz o máximo de bem, independentemente dos efeitos produzidos sobre os outros: “Faço algo porque me convém”.
2. Fogem às obrigações ou às responsabilidades.
3. Proferem uma fala que, embora pronunciada em voz baixa, desfruta de larga difusão, e recorta diagonalmente todas as classes sociais.
4. Adotam procedimentos como o jeitinho, o quebra-galho, o calote, o suborno, o engodo, a trapaça, a bajulação, a burla, a manha.
5. Não se furtam a proclamar, com cinismo, que não dão a mínima pelas conseqüências, desde que isso lhes permita “sair-se bem”. Quanto aos outros, sentenciam: “Ninguém mandou ser trouxa”, vale dizer, otário, poeta, caxias, bobo, tolo, panaca, babaca, sonso, banana, bolha, paspalho.
Eduardo Giannetti nos informa que a oposição entre espertos e otários existe também na Sicília e em Nova York, respectivamente corno furbi versus fessi e como wiseguys versus mugs. Aduz:
Como observa o economista político vitoriano Macdonnell, “a malandragem só pode ser lucrativa enquanto a honestidade for regra geral”.
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